Este jogo de palavras – Escafandro (limitado, preso) e Borboleta (ilimitado, livre) é um truque genial de levar o espectador do filme “O Escafandro e a Borboleta” a pensar que em algum momento haverá uma verdadeira transformação dos personagens (ou do personagem real Jean-Dominique Bauby como se verá depois…). Por isso mesmo, o título do filme é um verdadeiro achado e uma sacada genial. Você não fica com vontade de assistir a este filme só em ler o título e imaginar o que ele sugere? Pois é… Eu também fiquei curioso e confesso que superou, em muito, minhas expectativas.
Caso você tenha lido a sinopse do filme e soube que a trama vai retratar o cotidiano de uma pessoa que tem uma vida vegetativa e que portanto haverá lágrimas, pieguice e todos aqueles clichês de superação e tudo mais, esqueça! Sim, talvez você chore em alguns momentos. Você verá igualmente força de vontade, superação, etc… etc… mas de uma forma sincera e muito longe dos clichês e do sentimentalismo barato. Devo dizer que não é um filme convencional do gênero “força de vontade” e menos ainda fácil de assistir e assimilar (não no início da projeção pelo menos). O Roteiro não facilita a vida do espectador e nem quer levá-lo às lágrimas e a sentir pena de Bauby sem antes mostrar, de forma mais explícita possível, como é a vida de um ser que vive de forma tão limitada. Poderia dizer uma vida vegetativa…
No decorrer do filme percebe-se que esta é uma falsa ilusão e o termo vida vegetativa não se aplica a Jean-Dominique Bauby que lá pelo meio do filme chega à seguinte conclusão e transmite este raciocínio em off para o espectador: “Tem duas coisas que eu não perdi: o movimento do olho esquerdo e a memória”. Sabemos todos que quem tem memória, possui imaginação e pode libertar-se de seu corpo físico e “viajar” (mesmo no leito de uma cama ou numa cadeira de rodas) para lugares distantes e inusitados. As possibilidades são muitas. Escafandro ou borboleta… A escolha é sua. Neste caso, a escolha foi de Bauby.
Genial a opção do diretor Julian Schnabel de colocar o espectador na pele de Bauby. Na primeira parte do filme (como a viver num escafandro – limitado) somos “convidados” a ter as mesmas limitações do personagem. Literalmente assistimos a tudo pelo olho esquerdo de Jean-Dominique com imagens fora de foco, distorcidas, opacas e em enquadramentos completamente fora do normal do que se espera do cinema que, como se sabe, é uma arte essencialmente visual. Assim, quem assiste ao filme tem a mesma perspectiva do olhar e de sofrimento do personagem. Mas o espectador tem uma vantagem em relação aos outros personagens visto que o “diálogo” em off nos permite saber exatamente o que ele está pensando e o que está querendo transmitir para as pessoas que o rodeiam e não conseguem saber o que ele quer. Assim, em boa parte do filme, a nossa perspectiva é a mesma do personagem. E as limitações idem. Só lá pela metade do filme é que a câmera se afasta e agora temos a visão do corpo de Bauby e, a primeira visão é um reflexo distorcido quando ele é levado pelos corredores do hospital. Quando ele se vê refletido nós também temos a mesma visão e percebemos então toda a dificuldade e vislumbramos um futuro que pode ser na limitação do escafandro. Aqui Bauby sente que precisa agir de uma forma a fazer a diferença e não se entregar ao seu trágico destino e a ter a liberdade da borboleta.
A ironia mais cruel de tudo isso é que esta é a história real do editor da revista Elle a maior revista de moda do mundo. Um sujeito que ditava moda, comportamento e valorizava muito a estética e o corpo. Após sofrer um derrame cerebral e passar vários dias em coma, Bauby consegue movimentar o olho e a pálpebra esquerda e é assim, através de um sistema de comunicação criada por sua fonoaudióloga, que ele dita suas memórias. Piscar uma vez para sim e duas vezes para não quando precisa fazer algumas escolhas e responder a perguntas simples e diretas. E um trabalho estafante de sua assistente em ter que soletrar o alfabeto até que ele pisque uma vez para a primeira letra de uma palavra e assim sucessivamente até formar frases e ideias. Um livro escrito, literalmente, entre piscadelas. Seria cômico não fosse trágico. O filme tem lá seus momentos engraçados já que o personagem não perdeu seu bom humor e compartilha com o espectador seu lado humorístico apesar da situação em que se encontra.
Um filme que nos faz refletir sobre a vida e as nossas escolhas. Um roteiro que abriu mão dos clichês e soube, de forma competente e sincera, contar um drama muito pessoal e por isso mesmo, universal. Muitas pessoas vivem em seus escafandros por comodismos a chorar pelo trágico destino. Outras preferem viver como as borboletas apesar de se encontrarem nas mesmas condições. Escafandro ou borboleta, qual seria sua escolha?
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